A divisom provincial da Galiza (e um mapa para 1809)

⮑ Mapa do Reino de Galiza no séc. XVII

Cada certo tempo ressurge na Galiza o debate a respeito da divisom administrativa em províncias. Há, por umha parte, quem defenda deixar todo na mesma, com as quatro províncias atuais, e há quem faga ver que essa divisom, dada em 1833 polo entom ministro espanhol de Fomento, Javier de Burgos, é irreal e inapropriada, feita num escritório e sem conhecer nem respeitar a geografia humana e as históricas divisons administrativas galegas. Até à altura, o debate sempre o tem ganhado o primeiro grupo. E nom é por acaso. Conta com a força da inércia e com que o seu projeto é, de facto, o que está em vigor. De maneira que nom necessita demonstrar nada. Mas no terreno da razom nom há quem, com um mínimo de rigor, discuta os argumentos contra a atual divisom. Contodo, tampouco a culpa é toda de Javier de Burgos. 

Um Reino de cinco províncias

A moderna divisom administrativa da Galiza em províncias tem um interessante prólogo que convém notar, mesmo que seja apenas de passada e com a promessa de o tratar mais devagar noutra nota. As famosas sete províncias galegas, que antes disso foram apenas cinco.

Em rigor, as províncias históricas galegas nom eram exatamente «províncias», mas as áreas jurisdicionais de cada umha das cidades. Quer dizer, as áreas jurisidicionais dos seus bispados. Aquelas velhas «áreas metropolitanas» tinham como objeto definir a representaçom na Junta do Reino, que desde 1480 era composta por representantes de Betanços, Compostela, Lugo, Mondonhedo e Ourense. Cinco cidades. Portanto, cinco «províncias».

Ademais, o território que abrangia cada umha das províncias históricas nunca estivo perfeitamente delimitado. E isto convém notá-lo. Simplesmente, nom era necessário para a funçom que prestavam, que era apenas a de nomear representantes na Junta do Reino — porque o sistema de arrecadaçom de impostos ia por outros caminhos. Em particular porque os representantes eram sempre da cidade cabeceira, e mais nada.

As sete províncias: bispados e comércio

Nom irá ser até ao século XVI que o número seja alargado. Primeiro, por Tui, que tinha também a sua sé episcopal. Depois pola Crunha, que nom tinha, mas que estava em posse de outros argumentos, essencialmente económicos e militares. Ambas as vilas conseguem entom a sua representaçom e, portanto, o status prático de cidades. Outras vilas, como Ponte Vedra ou Viveiro também tentaram consegui-lo, sem sucesso. Foi assim que surgiu, portanto, a divisom em sete províncias, as que tradicionalmente se identificam no escudo do Reino.

Todavia, aos efeitos da coroa castelhana, que detentava o poder político sobre a Galiza, as sete províncias simplesmente nom existiam. A Galiza era considerada como um território único: mais umha intendência. Ou inclusive como um território subalterno da província de Samora até 1623, quando seja recuperado (comprado) o voto nas cortes castelhanas.

Contudo, a divisom administrativa em intendências nom só tinha o problema de obviar as subestruturas próprias dos diferentes reinos. Ademais, criava divisons absolutamente inúteis aos efeitos da administraçom, com territórios enormes em comparaçom com outros. Por exemplo, a Galiza ultrapassava o milhom de habitantes enquanto a intendência de Álava mal chegava a 70mil. O quadro completava-se com dúzias de exclaves e territórios desconexos que deixavam todo confuso e difícil de administrar.

Umha divisom à francesa

A ruína do sistema social e político do Antigo Regime pulava havia já muito por umha nova ordenaçom administrativa. O passo para a frente, porém, só viria a dar-se depois de 1808, quando mais de 20mil soldados franceses que tinham entrado no território hispánico para — alegadamente — invadirem Portugal e repartirem-no com a Inglaterra, evidenciam o seu verdadeiro objetivo: o controlo dos territórios da monarquia hispánica.

Napoleon coloca entom o seu irmao no trono e começam as rebelions por expulsar o invasor francês. Em meio àquela situaçom de guerra e perseguiçom política, a nova coroa dá os primeiros passos. O objetivo: melhorar a distribuiçom territorial das terras sob as coroas de Castela e Aragom. O Estatuto de Baiona (a Baiona francesa, nom a galega) inclui, entre outras cousas, essa ordem de reestruturaçom territorial que rachava com o modelo do séc. XVIII. Interessa notar, também, que o de Baiona que foi a primeira «constituiçom» que como tal teve a Espanha, embora a historiografia renegue dela.

Umha Galiza de quatro partes

Portanto, é em 1808 que Francisco Amorós apresenta a primeira proposta a sério de reestruturaçom. Amorós era um militar valenciano, mas sobretudo um afrancesado que, como outros, colabora estreitamente com José I. Como for, a Galiza é, pola primeira vez, dividida em quatro «departamentos»: Santiago, Lugo, Ourense e Tui.

Os limites som marcados preferentemente por rios. O Ulha, por exemplo, divide os departamentos de Santiago e Tui. O Minho separa os de Tui e Ourense; e o Návia os de Lugo e Cabo de Peñas (Uviéu). Isto, e o facto de nom ter jamais pisado a Galiza, irá provocar alguns problemas resolvidos às carreiras. É o caso da «entrada» do departamento de Ourense no de Tui para evitar dividir a cidade no ponto em que é cruzada polo Minho. E também algumhas inconsistências, como a do concelho de Vila de Cruzes, dentro do departamento de Santiago, quando geograficamente se encontra a sul do Ulha.

Na realidade, o plano de Amorós nom chegou a ser aprovado. Todavia, serviu de base para o que apenas um ano mais tarde iria apresentar José María Lanz. A respeito da Galiza as mudanças som poucas. Apenas no que tem a ver com as capitais (a de Compostela passa para a Corunha e a de Ourense para Monte Rei), e no que tem a ver com os nomes. Lanz usou o nome dos principais rios para denominar as novas divisons. De modo que a velha divisom de Santiago passou a ser o departamento do Tambre; Ourense converteu-se no departamento do Sil e Lugo e Tui passaram a denominar-se Minho Alto e Minho Baixo respectivamente.

Quanto aos limites, o desenho de Amorós era respeitado. Isto servia para manter dentro da Galiza a atual comarca estremeira do Eu-Návia, mas nom as do Bérzio, a Cabreira e a Seabra. Mas, sobretudo, evidenciava o desconhecimento do próprio Lanz do território que tratava de dividir. Sobretudo se olharmos para a capitalidade de Monte Rei, que tinha releváncia, mas resultava menor em relaçom a Ourense.

Aquele plano, mesmo assim, foi aprovado por decreto da nova coroa com umhas poucas modificaçons. Os departamentos passavam a ser denominadas «prefeituras». As brigas polas capitalidades ficaram também resolvidas: Monte Rei perde-a em favor de Ourense, finalmente. E os corónimos passavam a ser os das cidades capitais: a Corunha, Lugo, Ourense e Vigo. É daqui que surge a histórica disputa entre Vigo e Ponte Vedra pola capitalidade da província, por sinal. Ademais, o decreto estabelecida três sub-prefeituras por cada prefeitura. Ademais das sub-prefeituras das próprias capitais, na Corunha, estabelecem-se a de Compostela e a de Corcubiom; em Lugo, a de Mondonhedo e a de Viveiro; em Ourense, a de Monte Rei e a de Monforte de Lemos; e em Vigo, a de Ponte Vedra e a de Tui.

Prefeituras da Galiza na divisão de J. M. Lanz de 1809
A linhas pretas, a divisom do Plano Lanz, que fixava a que foi a máxima extensom administrativa da Galiza moderna. A cores, as divisons atuais das províncias galegas.
Fonte: Decreto por el que se establece la división del gobierno civil de los pueblos de Reyno en Prefecturas, y demarcación de sus límites.

Resistir o invasor

Contudo, dispor no papel umha divisom administrativa nom era o mesmo que essa divisom ser aceite sem problemas. Por mais necessária que ela for. Havia duas fortes resistências e mais um problema específico da elaboraçom da própria divisom. Primeira resistência: a inércia de um sistema político, o do Antigo Regime, que se resistia a desaparecer. Segunda: a negativa dos territórios conquistados militarmente a se submeter alegremente às novas disposiçons de José I. Isto foi particularmente certo no caso da Galiza: Vigo foi a última cidade a cair em maos francesas e a primeira a ser liberada pola própria vizinhança.

De modo que, por umha parte, existia umha resistência da Junta do Reino da Galiza a assumir a uniformizadora divisom afrancesada, que nom tinha em conta a estrutura das sete «províncias» históricas nem os seus históricos interesses. Por outra, o certo é que a Junta do Reino já nom ordenava muito. Acabou sendo substituída pola Junta Revolucionária, que se outorgou a representaçom da Galiza diante das cortes de Cádis, a cidade onde os poderes contrários a José I se tinham refugiado.

Quanto ao problema específico, o certo é que Lanz desconhecia em grande medida o interior do território, devido à sua formaçom essencialmente marinheira (isto talvez explique a sua fascinaçom polos limites fluviais) e às suas longas ausências da Espanha. O resultado foram limites pouco funcionais e, polo geral, incoerentes.

Umha divisom à espanhola

A lealdade da Junta Revolucionária galega às cortes de Cádis tornou inaplicável a divisom de Lanz. Em consequência, deu espaço a um novo projeto de estruturaçom amparado na Constituiçom de 1812, que urgia a reforma para adaptar os territórios à governança do Novo Regime. O certo é que, no caso da Galiza, as mudanças entre a versom francesa e a espanhola haviam ser poucas. Em particular se visto como o jacobinismo importado da França continuou em Cádis. A sua Constituiçom definia pola primeira vez um caráter político para as províncias; até entom, na coroa de Castela, apenas tiveram atribuiçons fiscais. Mas deixava sem definir quais eram aquelas províncias e quais os seus limites.

A primeira proposta sobre isto irá ser a de Antonio Ranz e José Espiga, já no mesmo 1812. A Galiza volta a ser umha única província. Porém, a respeito do projeto de Lanz, perde o território comprendido entre os rios Eu e Návia. O projeto, por enquanto, ficou em suspenso, dado que os territórios controlados pola Junta Suprema de Cádis apenas eram aqueles de que os franceses iam sendo expulsos pola força. Numha situaçom de instabilidade assim, tampouco era possível levar para a frente as complexas mudanças que a reestruturaçom provincial exigia.

Umha fugaz recuperaçom do Reino

Nom foi até ao ano seguinte, 1813, que José I foi despejado e estabelecida umha regência à espera do regresso de Fernando VII. Os liberais de Cádis proponhem entom começar imediatamente a reestruturaçom territorial e encarregam o cosmógrafo e geodista Felipe Bauzá um projeto de divisom. Bauzá define entom um sistema hierárquico, com «governaçons» superiores e subalternas. As primeiras serám, na prática, os velhos reinos da coroa, incluído o da Galiza. As segundas deveriam funcionar como subdivisons das primeiras. De maneira que a Galiza passa a ser considerada de novo umha única governaçom. Já quanto às governaçonss subalternas, o modelo é similar ao de Lanz de quatro territórios: Santiago, Tui, Ourense e Lugo. Contudo, o plano de Bauzá nom irá ser avaliado até um ano mais tarde.

O Conselho de Estado decide entom umha mudança importante: a supressom das governaçons superiores. Isto deixava as subalternas como únicas e independentes entre si. E nom é uma mudança qualquer, nem por acaso. Antes ao contrário, incorpora toda uma escolha política pola uniformizaçom e a eliminaçom do caráter político dos Reinos históricos. Isto é, seguindo o modelo francês, justamente.

Aos efeitos práticos, a Galiza deixa de ser um território unificado — província ou reino — e fica repartida em quatro porçons que tenhem a mesma relaçom entre si que com Astúrias ou Astorga, segundo o papel. Mas, mais umha vez, o plano ficou sem aplicar. O próprio Conselho de Estado acabou manifestando-se contrário à proposta de Bauzá, mesmo depois de cortá-la. E a chegada de Fernando VII poucas semanas mais tarde deitou todo por terra definitivamente. Nega-se a aceitar a Constituiçom e inicia umha dura perseguiçom e purga de liberais e reformistas.

Bauzá e Larramendi

A perseguiçom política na Espanha deixou entom pouca margem para projetos de fundo. Em 1820, porém, os levantes militares em Sevilha e na própria Galiza e a extensom destes a outros territórios da coroa obrigam o rei a jurar finalmente a Constituiçom de 1812. De novo, umha maioria liberal nas Cortes impulsa o projeto de provincializaçom que tinha ficado em suspenso. A proposta é encarregada de novo a Bauzá, com a ajuda de Agustín de Larramendi. O plano de ambos, apresentado em 1821, tem pouco a ver com o do próprio Bauzá de umha década antes, mas continua a proclamar a independência entre províncias — que, no caso galego, aparecem nomeadas pola primeira vez como atualmente: a Corunha, Lugo, Ourense e Ponte Vedra.

Quanto aos limites, Ponte Vedra adquire já a sua delimitaçom atual, ao abandonar o curso do Minho como estrema oriental; Ourense ganha as comarcas da Cabreira e Seabra, mas perde a do Vale d’Eorras, que aparece integrada numha nova província — a antiga subgovernaçom de Astorga — com capital em Ponferrada. Aquele novo plano de Bauzá e Larramendi foi tramitado desde 1821 até à sua aprovaçom em 1822, recolhendo algumas mudanças a pedido de deputados de todo o território. Para o caso galego, a província de Lugo continua a sua expansom face a sul; ainda sem chegar ao limite do Sil. E a província de Ponferrada passa a sua capitalidade para Vila Franca.

Um retorno ao Velho Regime

Contodo, a deficiente cartografia da época — o plano de referência continuava a ser o de Tomás López de 1804 — fijo com que muitos limites ficassem para ser resolvidos em acordos entre as deputaçons provinciais. Acordos que muitas vezes se transformárom rapidamente em processos judiciais. Mas, de novo, a história impediu a implementaçom do plano. Em Julho de 1822, a insurreiçom absolutista apoiada desde Abril do seguinte ano polos Cem Mil filhos de Sam Luís acaba com o chamado «triénio liberal». Em consequência, acaba também com toda a sua legislaçom. A velha fórmula das intendências do s. XVIII é restaurada.

Mesmo assim, era evidente que o antigo sistema territorial era complexo de mais para resultar eficiente. A quantidade de enclaves e territórios desconexos, sobretudo em Castela, gritava por umha reforma. Tanto era assim que, na altura, a prática totalidade das sensibilidades políticas entendiam a urgência de um novo sistema que permitisse a uniformizaçom e controlo dos territórios. Em 1825, o governo absolutista começa de novo os trabalhos e, em 1826 Fernando VII autoriza a reforma. O projeto é encarregado de novo a Larramendi, que parte do «aprovado» apenas três anos antes e fai algumhas mudanças.

No que interessa à Galiza, a província do Bérzio, com capital em Vila Franca, desaparece integrada na de Leom. O projeto é por fim aprovado em 1832. Mas, à espera da sua entrada em vigor, a crise sucessória com a morte de Fernando VII e a queda da equipa do ministério deixam todo em suspenso. Mais uma vez. 

Javier de Burgos

Em 1833, em meio à regência de Maria Cristina, Javier de Burgos é nomeado ministro de Fomento. Recupera entom o plano de Larramendi e aprova-o por decreto em 30 de novembro de 1933, com pequenas mudanças. O vale d’Eorras retorna à província de Ourense, que perde território polo norte até ao Sil, estabelecendo o limite com Lugo no lugar onde se encontra hoje. Lugo, em troca, perde terreno polo leste, até ao limite atual do rio Eu. Nom o faz porque a comarca do Eu-Návia seja, da noite para o dia, menos galega, mas apenas para compensar o alongamento territorial em direçom a sul. E isto apenas um ano depois de perder o Bérzio. A Corunha e Ponte Vedra permanecem inalteradas.

Entre 1834 e 1836 a cartografia é atualizada de conformidade com a nova divisom, que só se verá alterada em casos excepcionais. Na Galiza, em 1842, cinco paróquias do concelho do Vicedo (prv. Lugo) cindem-se e criam o concelho de Manhom, que pasa à província da Corunha. O mesmo acontece com a paróquia do Freixo, que passa de Lugo à Corunha ao se integrar no concelho das Pontes de Garcia Rodríguez.

Duas conclusons

O tortuoso caminho desde a estrutura administrativa do Antigo Regime à do jacobinismo liberal espanhol que é a que vigora hoje — o decreto de Burgos nom é outra cousa que o plano de Bauzá e Larramendi, em essência — pode possuir certa épica novelesca. Os avanços e retrocessos, os levantes militares, as invasons e os jogos cartográficos, porém, nom deveriam ocultar duas rápidas conclusons. 

Primeira: é um facto que, à francesa ou à espanhola, as divisons provinciais da Galiza — e do resto do território — só tinham como objeto umha governaçom mais apurada dos tributos e das políticas locais desde o centralismo total. Os sistemas políticos absolutista e liberal necessitavam, por igual, superar o velho sistema de reinos, ainda quando estes tivessem sido já esvaziados de qualquer soberania ou poder legislativo. O importante, no novo sistema, era a exploraçom governativa das periferias — geográficas e nom geográficas — polo centro do Poder, e nom tinham nada a ver com a governaçom interior, do território para si

Segunda: isto marca umha diferença essencial entre as províncias históricas galegas e as constitucionais espanholas. As segundas eram para mais e melhor ordenar; as primeiras, apenas para organizar a relaçom das cidades com a sua extensom jurisdicional, numha relaçom de proximidade que nom existia, nem vontade havia, no segundo caso. 

Por outra parte, os usos e, sobretudo, os abusos das deputaçons provinciais espanholas na Galiza ao longo da história, o seu papel como suporte básico para as redes do caciquismo e o facto de, territorialmente, serem umha soluçom ineficaz e retardatária para o tipo de assentamento que caracteriza a Galiza som já outra questom, que fica à margem da temática desta nota, mas que convém nom esquecer.

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