Bois na toponímia: falsos zootopónimos?

As homofonias criam, amiúde, topónimos que, desde determinado ponto de vista, podem resultar intrigantes. Já falamos do caso de Cervo, Cervantes ou Cerveira, e do modo como parecem zootopónimos vindos do cervus latino, sendo que provêm, mais provavelmente, da raíz PIE *ker-, com valor também oronímico. E ainda não é um caso muito extravagante, porque cervos / zebros houve na Galiza e em Portugal, ainda quando parece difícil que possam dar para estabelecer um topónimo. Para isso parece que seja necessário um bocado mais.

Outro caso de confusão com zootopónimos é o de boi-, que, desse ponto de vista, estabeleceria toponímia certamente abstrusa como Boimorto, Boi de Canto ou Boiamonte, que por pressão dessa explicação espúria, há quem escreva Boi-a-Monte (como se fosse cabra).

Com boi- há Boiaca, Boial, Boialvo, Boiám, Boico, Boicornelho, Boi de Canto, Boi de Gures, Boidobra, Boimorto, Boi Pequeno, Boiro (com reticências), Boisaca, Boivão, Boi Vivo e Boizám. Aliás, há vários Boi compostos como segundo termo: Vilar de Boi ou Rego do Boi e diversos pleonasmos como Monte de Boi, Corno do Boi (com artigo a marcar a assimilação do orónimo com o zoónimo), Pedra de Boi, Pena do Boi ou Serra de Boi. Pleonasmos parecem também os já citados Boicornelho (onde Cornelho provém claramente do IE *korn-Boi de Canto, Boidobra (com tema céltico *bra < -briga, que significa “monforte”) e Boimorto (onde -morto remete para *mor-, com valor também oronímico, como se verá noutra ocasião).

Ponta de Boi de Canto, no cº de Oleiros.

Por outra banda, existência do ditongo -oi- exige a presença do ditongo -ou- como a sua variante documentada na evolução do latim -au-, embora neste caso seja por assimilação, e não por evolução direta. Deste modo, obtém-se bou- como raiz, o que termina de complicar a distinção com os possíveis zoónimos, pela facilidade com que -u- palataliza em -v-, dando origem a *bov- confundível com o latim bove(m). Considere-se apenas, como exemplo, o caso de Boimorto, falsamente latinizado, em 994, como Boue Mortuo. À margem disto, há que considerar que a maioria das ocorrências de -ou- (que, por sua vez, se dão maioritariamente na Galiza) estão relacionadas com o étimo “bouça/boiça”, que significa “terreno inculto, em que se cria mato para roçar”, do latim baltea. Excluindo a toponímia referida às bouças, e considerando que Boizão pode relacionar-se também com ela, cabe sublinhar o modo como -oi- se impõe sobre -ou- estatisticamente. Mesmo assim, com bou- há, na Galiza: Bou, Bouca, Boudom, Boudanhido, Boulouro (note-se a proximidade com Boialvo), Bourrelo, Bouso, Bousés, Bouteiro, Boutrim e Bounhou.

Finalmente, cabe apontar mais uma variante: a forma bai-, que está em Baiom, Baiões ou Baiona, e também, palatalizado o iode, em Bajanca, Bajouca e Bajouco

De onde provêm, em qualquer caso, essas formas boi- / bou- / bai- / baj-? Indo aos mestres, encontramos diferenças entre Piël, que considerava ‘boi’ como equivalente do bos taurus, proveniente, portanto do latino bove já identificado acima — o que o levava a ler em Boimorto aquela cousa de “touro morto”; e Sachs, que admite uma origem germânica.

Sabemos, por observação, que onde há ocorrências de Boi há algum rochedo ou promontório, e para reforçar a ideia estão os pleonasmos que já apontei acima. Não parece que haja grandes problemas, portanto, para lhe dar um valor oronímico geral. Mas, como sempre, é tudo discutível.

2 respostas

  1. Eu was born in the Baio (bayou, bay). Non creo que as formas Bai- teñan a mesma orixe que Boi-/Bou-, e véxoas máis vinculadas a marismas, terrazas fluviais ou terreos anegables (cf. Graña, Braña, Gándara).

  2. Com efeito, na hora de apontar origens, todo o dito é suspeito de estar errado e portanto fica sujeito à crítica, sobretudo se nos remontarmos tanto atrás no tempo. Ainda assim, as realizações o/a em temas tão antigos não são estranhas. Fique como proposta. 🙂

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