Compostela: necrópole ou entulheira?

Vamos começar por um topónimo, dos mais controversos e, para mim, dos mais interessantes, por ser o nome da cidade em que moro e da capital do meu país, cujo nome, Galiza, iremos analisar noutro momento.

Vaia, em primeiro lugar, umha alerta: o nome Compostela está a desaparecer ou, pior, a ser desaparecido nos últimos tempos, primeiro mediante a imposiçom da fórmula “Santiago de Compostela”, e, já agora, mediante a substituiçom direta do topónimo polo hagionímico Santiago (do latim Sancti Jacobi, via galego-português medieval Sant-Iago, atual Sam Tiago) — o apóstolo de Cristo pretensamente (sendo generosos) soterrado no lugar que hoje ocupa a impressionante catedral.

O resultado é que muito pouca gente chama hoje a cidade polo nome, e que numha grande proporçom dos mapas que circulam polo país aparece já simplesmente a forma Santiago. Sou dos que pensa que esta substituiçom nom é por acaso, mas isso é outra história para se contar noutro momento.

Fachada da Praça do Obradoiro da catedral de Santiago

O campo da estrela

Vaiamos, porém, à etimologia. Para Compostela deram-se várias explicaçons, com fortuna diversa, das quais, na atualidade, apenas som duas as consideradas plausíveis. A primeira delas, a mais difundida, fai derivar Compostela da frase Campus stellae, isto é, «o campo da estrela» em latim, e nom, como aparece tam amiúde, de «campo de estrelas». Com efeito, é verossímil que umha evoluçom patrimonial dessa frase latina tivesse dado *Campustella e, finalmente, Compostela por assimilação das vogais.

É, também, a explicação que melhor convém ao capital, isto é, ao turismo, por estar relacionada com a lenda de Paio tal como narrada na Concórdia de Antealtares (1077), com a descoberta do fogo fátuo da floresta do Libredom, com a presença do caminho de estrelas que é a Via Láctea e, por aí, com o sepulcro primitivo do apóstolo Tiago o maior, alá depositado polos seus discípulos Teodoro e Atanásio após umha translaçom repleta de elementos fantásticos, como a barca de pedra ou a raínha Lupa (loba) do Pico Sagro, cuja etimologia merece umha nota própria.

A hipótese da necrópole

A segunda opçom tem seguramente sobrevivido porque também nom contradiz a intocável versom turística. Segundo a Crónica Iriense, Compostela derivaria da frase latina Composita tella, isto é, «terras formosas» ou «terras compostas» (note-se a assimilação semântica entre composto e formoso, também presente noutros âmbitos, como a arquitectura romana), significado que depois Amor Ruibal notou como aparecendo em Virgílio com a acepção de “soterrado”.

Segundo esta versão, essa terra formosa seria um eufemismo para necrópole ou cemitério, ligando mais umha vez com a tradiçom jacobeia. Composita, com o significado de necrópole, relaciona-se, em qualquer caso, com outros topónimos (e até antropónimos) presentes tanto na Galiza como em Portugal, da família de combustão, como Bustos, Bustelo, etc.

Pola sua vez, combustio, nome de comburo, estaria formado pelo prefixo intensivo com– mais a raiz *buro, diretamente relacionado com proto-indoeuropeu *gwher– (aquecer), de onde também derivam o inglês burn, o alemão brennen, ou o neerlandês branden, o que ligaria diretamente o conceito de morte com o de cremação e putrefação. Nom por acaso, o étimo latino bustum significa pira funerária e, derivadamente, tomba ou sepulcro.

Outras opçons

Destas duas possibilidades, parece que a mais verossímil seja a segunda, segundo a qual Compostela estaria relacionada com umha necrópole, no mínimo do ponto de vista das evidências históricas. Existem, contodo, outras explicaçons que se libertam do peso quase insofrível do apóstolo, e que, embora nom terem a consideraçom de corretas polo grande público, estám razoadas o suficiente como para as comentar. É o caso daquela que considera que a forma compostela derivaria de um composto céltico de «comboros» (entulho, porém relacionado com o castelhano escombro) e «stil» (ferro — steel —, relacionado com o bairro compostelano da Estila?).

Por certo, a presença de étimos célticos na zona, discutida por determinadas correntes historiográficas afins ao nacionalismo espanhol mediterraneísta, parece, em qualquer caso, demonstrada através de outros casos, como os topónimos de Sar e Sarela. Para Crespo Pozo e Luís Monteagudo, Compostela estaria relacionada com um lugar de entulho de minas e ferrarias. Isso explicaria bem por que existem outras Compostelas na Galiza e inclusive na comarca galega estremeira do Bérzio (mesmo que barbaramente castelhanizado como Compostilla).

Seja lá como for, e considerando a dificuldade de separar a discusom etimológica da forte presença do apóstolo e de toda a atividade económica e espiritual que cresceu à volta do mito, parece que a segunda hipótese, que relaciona Compostela com uma necrópole, é, das três, a mais verossímil.

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