Do modo como o porto d’Oçom terminou sendo o porto em que zoava muito o vento

Vam já várias notas a falar sobre a deturpaçom da toponímia galega às maos dos recentralizadores castelhanos de diversas épocas, mas o tema nom se esgota, nom. É quase infinito, tanto como incontornável. Um dos exemplos que mais chama a atençom é o do Porto d’Oçom, castelhanizado como Puerto del Son, parelho à toponímia oficial galega como Porto do Son. Como?

Oçom

Em documentos do s. XV, aparece a forma Porto de Oçon como topónimo desse lugar concreto. Isto dá conta da existência de um núcleo próximo (e desaparecido) sob nome de Oçom como referência do porto (Porto de), ou ainda da existência de um topónimo anterior Oçom para se referir ao mesmo lugar cujo porto, com o passo do tempo, se significou de maneira importante.

Seja lá como for, fica claro que a forma referencial e significativa é Oçom, e nom Som. Contudo, aparecem já desde o s. XVI formas com assimilaçom do “de”, para resolver a crase: na traduçom (1588) para o castelhano do Theatrum Orbis Terrarum de Abraham Ortelius (da que também há nota neste caderno) inclui-se um mapa da Galiza de frei Hernando Ojea, onde o lugar aparece nomeado já como Doçon, com essa assimilaçom do nexo “de” ao núcleo do complemento nominal. O mesmo topónimo aparece também no Atlas de Mercátor (ediçom de 1632) e no mapa de Giacomo Cantelli da Vignola (1696), provavelmente como cópia.

Contudo, embora nesses exemplos o porto fique desaparecido, em diversas atas notariais da época continua a aparecer, tanto na forma de Porto d’Oçon como na de Puerto d’Oçon. Aqui, a substituiçom Porto/Puerto dá-se evidentemente na sequência da substituiçom da nobreza galega pola nobreza e outro pessoal administrativo de origem castelhana que, no s. XV, seguindo as diretrizes de Antonio de Nebrija, começa a traduzir todo para a língua do império.

O que interessa é, em qualquer caso, a conservaçom do topónimo Oçom, durante toda essa época e até aos anos finais do s. XVIII e iniciais do s. XIX, quando se estabelece a incorreta segmentaçom de d’Oçon como Do Son, com a dissimilaçom da inicial “o-” considerada como artigo (cfr. a nota a respeito deste fenómeno: Artigo ou mutilaçom?).

A partir daí, a castelhanizaçom fijo o resto, institucionalizando Puerto del Son, e dando passo, com o processo de falsa transiçom (também para as línguas), a umha forma ré-galeguizada, nom desde a toponímia própria, mas desde o construto castelhano: Porto do Son.

Seja lá como for, hoje nom fica resto de nenhum Oçon que nom seja o do correspondente porto. De existir, é possível que a barbárie nom se tivesse consumado, mas isso nunca saberemos. Existe, porém, um Oçom (graf. isol. Ozón) em Mogia, em plena Costa da Morte, muito próximo também do mar, com capacidade para ter mesmo um porto de seu. Mas, o que som esses Oçom?

Castro de Baronha, no cº de Porto d’Oçom

Etimologias

De volta ao Doçon de Ortelius e Ojea, Manuel Carvalho relaciona-o com os também galegos Doçom (graf. isol. Dozón) e Deça (graf. isol. Deza), e com os portugueses Dossãos ou Doçãos e Lações. Segundo informa, todos estes topónimos proviriam dumha forma Dezanos, que teria dado Dezaos (1220, 1258), Duçães (1290), Çãaes (por Doçãaes, 1320), Deçaaes (1371), Doçãaos (1400, 1424) e Doçãos (1528). E oferece ainda a possibilidade de tratar-se de antropotopónimos a significarem a pertença a um senhor, possivelmente um Donazano aparecido no Livro Preto da Sé de Coímbra (s. XIV).

Em qualquer caso, embora pudesse aceitar-se perfeitamente esta explicaçom para o Doçom galego da comarca do Deça, (cfr. em 1334, no Tombo de Tojos Outos, um testamento em favor do “moesteiro de Sam Martino d’Oçon”),  o facto de existir o já referido Oçom em Mogia parece apontar o Porto d’Oçom para outra parte. Mais ainda, o rio costeiro que rega o vale mogiám é o rio Oçom, e existem também, quando menos, um Zonho (Viseu, dat. 1013) e um Osonho (Vilardevós, Ourense, dat. 1242), provenientes ambos de Osonio, que reforçam o afastamento que aqui defendemos.

Segundo Bascuas (2002: 204), a forma Oçom proviria de *Upsone (com “ps” > “z/ç/s”), relacionando *ups, por sua vez, com “água”, como demonstram diversos hidrónimos europeus com essa raíz IE, e que, com esse significado, coincide com o río Oçom e com o âmbito costeiro de Porto d’Oçom. Nada a ver, pois, em qualquer caso, com o som. E muito menos com o delírio poético proposto polo centralismo castelhano primeiro, e polo turismo depois, em forma de puerto del sonido (!).

3 respostas

  1. Ainda mais, Oçom, Oça, não poderiam ser derivados de Ostium, Ostia?
    Muitos topônimos podem ser nomeados desde o mar, e do mesmo jeito que o porto de Ostia na Roma é uma bocana, um buraco de passo … Mesmo Oça na Crunha que é um porto, ou ainda Oça dos Rios, e daí por diante …
    Castro d'Oçom, é também passo.
    Obrigado

  2. Certamente, tenho dúvidas ao respeito da transformação do -st- de Ostium/Ostia em "ç", com pronúncia /s/. Essa transformação poderia dar-se na proposta de Báscuas de Upsone por redução da labial com sibilante, mas no caso de -st- a sequência é diferente e, portanto, não penso que possa dar o mesmo resultado. Das opções que recolhi no artigo, penso que a de Upsone e Doçãos sejam as que têm maiores possibilidades. Mas, quanto à etimologia, já se sabe. Nada é absolutamente certo.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.