Eume e Ponte d’Eume: toponímia e três lendas populares

As etimologias populares som comumente rejeitadas nos estudos de toponímia polos seus métodos nom científicos e polas suas conclusons comumente nas antípodas da realidade. Porém, para o discurso etnográfico tenhem um valor inquestionável. Nesta nota, reproduzem-se três lendas sobre a origem do nome de Ponte d’Eume, a vila que é possível ver no mapa de Petro Teixeira de 1634 que acompanha este artigo.

Duas lendas do demo-construtor

As lendas de fundaçom de Ponte d’Eume correspondem-se com a tipologia das lendas de demo-construtor. Neste caso: da ponte, que aparece como o elemento fundacional da vila. Mas nom há umha única versom. A continuaçom, reproduzo as duas que eu conheço, mais umha terceira, referida concretamente à origem do rio:

Há muito tempo, umha formosa filha do senhor de Andrade, chamada Minla, estava namorada dum moço de Ledom que morava na outra beira do rio Eume. O moço, com tal de a ver, atravessava cada dia o rio. Mas, como nom havia ponte, tinha de atravessar nadando.

Um dia, durante umha trovoada, morreu afogado. Minla, que ouve o seu berro, acode com presa. Mas nom pode ajudá-lo porque ele se encontra no outro lado do rio. O demo aparece-se entom e oferece-lhe fazer umha ponte para cruzar o rio com a condiçom de ela lhe vender a alma.

Desesperada, Minla aceita e pom também umha condiçom: que a ponte esteja rematada antes de o galo cantar no curral dos Andrade. O demo trabalha bem apresado, mas nom pode terminar antes do acordado: quando o galo canta ainda fica um arco por fazer.

Por isso, sem perder a sua alma, Minla conseguiu chegar ao outro lado saltando o arco que faltava. Por ser feita a ponte polo demo, passou a chamar-se a Ponte do Demo. Daí se transformou em Pontedemo e, depois em Ponte d’Eume.

Lenda popular
A ponte de Ponte d’Eume, que hoje continua em funcionamento após diversas reformas

Há muito tempo viveu nessas terras umha formosa moça da família dos Andrade. Ela possuía imensas riquezas e todos os terrenos que há em ambas as margens do rio.

Um dia quis visitar as suas fazendas da ribeira oposta e atravessou o rio, que na altura nom era muito caudaloso, numha pequena embarcaçom. Mas a filha ficou muito tempo na outra margem. Tanto que, quando regressou à beira, o rio já crescera até se tornar um braço de mar, tal como hoje é. A barca e os homens que a levaram tinham sido arrastados pola corrente. Entom, a moça encontrou-se sem poder cruzar.

Naquele momento, apareceu um moço bem parecido e ofereceu-se para construir umha ponte. Em troca, ela devia assinar um pergaminho que ele levava. O desejo da moça por regressar levou-a a assinar o pergaminho sem reparar no que tinha escrito. Assim que assinou, apareceu umha ponte a atravessar o rio, e um cheiro a enxofre que durou vários dias.

A moça entom cruzou o rio e regressou à casa, e o moço desapareceu. Mais nada se soube dele até um par de anos depois, que apareceu na porta do castelo pedindo ver a dama. Quando a moça apareceu, exigiu-lhe que cumprisse o acordado no pergaminho: a venda da sua alma ao moço, que nom era um moço, mas o demo disfarçado. Para cumprir o pauto, levou a senhora para a parte mais alta da ponte e ordenou-lhe que se lançasse ao rio. Mas a moça, desesperada, pediu ajuda ao Espírito Santo, e o demo tivo de fugir. Assim foi como se salvou a senhora de Andrade, e assim foi como foi construída a ponte, que leva o nome da Ponte do Demo, ou Ponte Demo, que hoje é Ponte d’Eume.

Lenda popular

Eume über Alles (ou umha lenda sobre a origem)

Numha ocasiom, os rios Eume, Júvia e Mandeu decidiram bater-se numha carreira: o primeiro a chegar ao mar poderia pedir um desejo. Ao fim do dia foram dormir e combinárom para a primeira hora da manhá.

O rio Júvia acordou antes da amanhecida e aproveitando que os outros dormiam, pensou:
— partirei agora que os outros dormem, e chegarei o primeiro para pedir ser o rio mais longo!

Depois acordou o Mandeu e vendo que o Júvia já nem estava, pensou:
— vou partir logo, que ainda posso ganhar e pedir ser o rio mais caudaloso!

Finalmente, acordou o Eume, que viu que os outros partiram antes da amanhecida. Encolerizado, partiu veloz sem se deter, arrasando todo ao passo e pensando:
— se ganhar, pedirei que cada ano morra umha pessoa nas minhas águas — tal era a sua carragem! E o rio Eume ganhou, porque atravessou montanhas e vales, formando o canhom do Eume. E, desde aquela, cada ano morre umha pessoa afogada no Eume.

Lenda popular

Existem outras versons desta lenda dos três rios, como é lógico. Há variaçons a respeito dos rios involucrados: Eume, Masma e Landro, referindo que os três nascem na serra do Gistral; Ouro, Landro e Eume, ou Sor, Landro e Eume. Mas duas cousas som invariáveis: a presença do Eume, e o resultado final e a explicaçom do perigoso que é o Eume. E há até umha versom da lenda em Portugal, com os rios Tejo, Guadiana e Douro. Nela, o Douro equivale ao Eume ao associar o seu nome à sua condiçom de dureza. Outra vez etimologias populares, a bem da cultura popular.

A etimologia

Quanto ao que diz a ciência etimológica, Ponte d’Eume (graf. isolacionista: Pontedeume) está indissoluvelmente ligado com o nome do rio que atravessa o lugar: o rio Eume, que nasce na serra do Gistral (frª Balsa, cº Muras) e desagua na ria de Ares, 80 quilómetros mais para a frente.

Para Bascuas, o rio Eume possui a mesma raiz *ume / *evo que o rio Úmia. A realizaçom em ‘m’ ou ‘w’ corresponderia com umha variaçom (nom diatópica) contrastada polas ocorrências de outras formas em áreas geográficas muito próximas. Caso do rio Eu (med. Euve), do rio Carevo (cª Vale Minhor) ou do rio Caríbio (melhor: Carívio, etimológico). Estes dous últimos com um elemento kar– provavelmente oronímico ou de significado relacionado com pedras. Essa forma *ume / *evo estaria relacionada com o tema nominal indoeuropeu *oi-wo > *oevo > *evo / *euve / *ume com significado ‘caminho, corrente’, muito próprio para um hidrónimo.

A reduçom do ditongo [oj] dá em galego-português, sempre, [e] (fechado), que é o mesmo que temos em Eume. O nome do rio Eume significaria entom, apenas isso: rio, tal como é tam comum na etimologia toponímica. E, mesmo assim, tam prosaico, o rio “Rio” deu para criar as três interessantes lendas colocadas acima. Bênçons!

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