Guimarães: Portugal nasceu na herdade de um crunhês

Quem vinher atrazido polo título desta nota deve saber que umha afirmaçom assim responde apenas a umha questom puramente literária. Portugal nom nasceu na Crunha, é claro. Mas na história de Guimarães e, sobretudo, no seu nome, transparece a história do reino da Galiza e das suas casas nobres, entre elas a de Vímara Peres, num de cujos prédios tivo origem a cidade que hoje se reclama como berço da naçom portuguesa.

Origem toponímica

A figura do fidalgo crunhês Vímara Peres aparece nesta história quando, no s. IX, durante o processo de expansom do Reino da Galiza para sul, sobre terras de dominaçom árabe, o próprio Vímara Peres é enviado para o que depois foi o condado portucalense, do que ele foi primeiro conde, precisamente. É de estirpe de Vímara que procede o antropotopónimo Vimaranes para denominar umha herdade que já no s. X pertenceu à condessa Mumadona Dias (bisneta dele e verdadeira fundadora de Guimarães), que, pola sua vez, mandou construir nela um mosteiro dúplice, dando origem, aos seus pés, ao que se configuraria como a Vila Baixa, por oposiçom à Vila Alta que surgiu quando, para defender o mosteiro, mandou construir um castelo numha posiçom elevada muito próxima. A história da fundaçom de Guimarães e do modo como depois se transformou num dos berços da naçom portuguesa é conhecida por muitos, e é, ademais, acessível para quem nom a conhecer ainda.

Resulta evidente, por enquanto, que esse topónimo Guimarães procede do nome do fidalgo galego, através do seu genitivo Vimaranis (>Vimaranes > Uimarães > Guimarães). Tanto é assim que vimaranense é o gentilício das pessoas que moram em Guimarães. O passo Vi > Gui nom deve resultar estranho. Ao contrário, é um acontecimento vulgar na antroponímia hispano-goda, e nom só na antroponímia. Domingos A. Moreira (1938) cita um bom número de exemplos ao estudar o próprio antropónimo Vímara: Vilimirus/Guilamiro; Vizoi/Guizoi, vastare/gastar, vorace/goraz, etc.

Por outra parte, o facto de nomes de pessoa se transformarem em nomes de lugar ou à inversa, ou mesmo que aconteçam os dois fenómenos em tempos diferentes, diacronicamente, nom é estranho. Bem ao contrário. De antropónimo Vímara, polo seu genitivo, temos o topónimo Guimarães, e Guimarães é também o sobrenome de muitos portugueses e portuguesas. Na Galiza, em troca, a terminaçom que em Portugal deu quase sempre invariavelmente -ães, derivou em diferentes soluçons sem estandardizar por pressom do castelhano e, derivadamente, por ter-se afastado da forma culta do idioma próprio: Guimarães (50 pessoas), Guimaráns (26) e Guimarás (20).

Por outra parte, na Galiza, e em menor medida também em Portugal, existe outro grupo de antropotopónimos muito próximos a Guimarães. Se analisarmos a ocorrência de sobrenomes na Galiza, obteremos Guimaré (27) e Guimarei (690). Guimarei é, como evidente, a forma mais estendida como antropónimo (sendo Guimaré umha simples variaçom redutora) mas nom como topónimo: Guimaráns (6), Guimarás (10), Guimarei (7) e mesmo Guimareu (1). Seja lá como for, a raíz comum está provada, e apenas os sufixos -ães (com as suas variantes galegas) e -ei devem colocar-nos na pista de dous antropónimos diferentes, mesmo quando conservarem a mesma raiz. [Para mais sobre antropotoponímia germánica, veja-se aqui].

Muro da cidade de Guimarães a exibir orgulhoso a paternidade do país

A respeito do antropónimo Vímara

De modo que, enquanto Guimarães procede de Vimaranis (propriedade de Vímara), Guimarei deve proceder de Vimaredi (propriedade de Vimaredo), com característica perda do -d- intervocálico, que também se perde em Guimareu, sem que nesse caso proceda do genitivo, mas do acusativo, isto é, o caso geral das línguas romances. Vimaredo aparece nos Tombos de Sobrado no ano 942 (1-129) como antropónimo, e Vimaredi como topónimo em 1010 (1-131). O Tombo de Samos dá também esse antropónimo Vimaredo, e Piël e Kremer (1976) apontam para os antropónimos Vimaredo (760) e Wimaredo (811), que era bispo de Lugo e que nas Inquisitiones portuguesas de 1258 aparece sob a forma Guimareo, observando já o passo Vi > Gui.

Ora, tendo em conta o elevado grau de transvase que se produz entre topónimos e antropónimos, em qualquer sentido, poderíamos estar perante um processo topónimo > antropónimo > topónimo? Este processo, que é inverso ao descrito acima, também nom é infrequente, mas parece que nom é o que se dá nestes dous casos. Antes ao contrário, se estudarmos o significado de Vimaredo e de Guimarei (mais propriamente que o de Guimarães), veremos que a sua etimologia leva a olhar noutra direçom.

Piël (1937) reconheceu ser incapaz de desvendar o significado da raiz vima-, considerando, por outra parte, que o segundo termo -rei, procederia do gótico -reth-s, com o significado de «conselho». Este significado poderia colocar-nos na pista de um topónimo, mas parece que Piël nom apontou certo neste caso, como se verá. Em 1976, a obra conjunta de Piël e Kremer (1976) volveu marcar o radical germánico -vim, mas novamente sem esclarecer o seu significado, embora alguns anos antes, Pokorny (1959) já tivesse dado aos radicais germánicos vim-, vima-, e veima- o significado de «flexível, vacilante», que, por certo, coincide com o vimen latino que deu em galego-português as formas vímbio/vime, com idêntico significado.

Quanto à segunda parte da palavra, além de que «o conselho dos vacilantes» nom faria muito sentido, parece que a forma reth-s– apontada por Piël nom seja correta se considerado que -th- daria em galego-português um -d- que nom desapareceria em posiçom intervocálica. Mas, se olharmos novamente para a obra de Pokorny, encontraremos o radical proto-indoeuropeu *reidh-, presente no germánico *(ga)-raidia e no gótico garaidjan, com o significado de ordenar, ajudar. Se consideramos a equivalência do gótico «ai» e o «e» aberto do galego-português, o significado da palavra vima-redo seria «o que ajuda aos vacilantes», que, pola sua vez, é claramente, o significado de um antropónimo e nom o de um topónimo.

Ora, se Vimaredo é quem ajuda os vacilantes porque *reidh– é quem ajuda e vima– é o vacilante, que tipo de nome é Vímara? Aplicando o sentido comum, baptizar alguém sob o nome de o Vacilante nom fai muito sentido, e menos no caso dumha casa nobre, com os atributos que socialmente se lhes exigem. Será que estamos diante de dous nomes diferentes e que Vímara e Vimaredo nom estám assim tam proximamente emparentados, mesmo sendo ambos nomes germánicos?

Piël aventura a possibilidade de Vímara proceder de *widus, com o significado de floresta ou bosque, e que, combinado com -marus (*Vidi-marus, com perda de -d-), parece estar por trás de hidrónimos como Guimar (afluente do Távora) e de antropónimos como Guiomar e Guimar já recolhidos por Leite de Vasconcelos (1928). Tenha-se em conta, ainda, que o ō longo proto-germánico aparece, em final de palavra, como -ā. Em qualquer caso, Moreira (1938) nota já que os antropónimos germânicos em –marus fam o genitivo em –mari e nom em –maranis > -marães, que correspondem melhor com plurais étnicos, e que, em qualquer caso, a «usual persistência do acento tónico na mesma sílaba, que nom é paroxítono (Vimára) como os nomes em –marus, mas sim esdrúxulo (Vímara)» fai com que haja que separar Vímara das formas em –marus.

A outra opçom, que assegura ademais a pronúncia proparoxítona, será, segundo Moreira, pensar numha divisom Vím-ara, onde o germânico *ara– poderia ser «águia», elemento bastante documentado no onomástico peninsular. Novamente, a onomástica hispano-visigoda oferece diversos antropónimos com raíz vim-, como Vima, Vimo, Vimaredo, Guimariz, Guimando ou Vimalário. Porém, nem Piël nem Moreira acham no tesouro germánico explicaçom para esse vim-. E, neste caso, seguindo Pokorny, ao contrário do que acontece com Vimaredo, «águia vacilante» também nom parece um antropónimo muito atrativo para um nobre.

Seja lá como for, e com independência do significado que se possa chegar a dar para essa raiz vim-, e mesmo de se se tratar de um ou dous antropónimos, o que parece claro é que a sequência deveu ser tanto no caso de Vímara > Vimaranis > Guimarães como no de Vimaredo > Vimarei/Vimareu > Guimarei/Guimareu, a de antropónimo > topónimo > antropónimo, e nom à inversa.

Referências

  • Piël, Joseph: Os nomes germânicos na toponímia portuguesa, Biblioteca Nacional Portuguesa, Lisboa, 1937
  • Moreira, Domingos A.: “Sobre o antropónimo Vímara” in Boletim cultural da Câmara Municipal do Porto. Porto, 1938, Vol. 31, Fasc. 1-2 (1968), p. 75-91

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