Já se falou em diversas ocasiões do modo como a ignorância premeditada que instituiu a ditadura fascista no Estado espanhol trouxe para a Galiza importantes consequências no âmbito concreto da toponímia. Às castelhanizações, que foram deturpações consabidas e, portanto, bárbaras, há que somar outras fórmulas como a de ir à toa segmentando falsos artigos (v. Artigo ou mutilação) ou trocando significados, com o caso espantoso de Ninho d’Águia. O que ocupa outra nota é mais um exemplo desta fórmula da ignorância premeditada, de como se esvaziaram de conteúdo as nossas referências.
O caso das posses “do Bento“, como Casa do Bento, Mesão do Bento, Moinho do Bento, etc. é similar ao do ninho das águias. Ao escreverem os poderes Vento com “v” remetem literalmente para o ar em movimento, estabelecendo um significado poético e dando origem ao isso que se denominam “etimologias populares”. E, porém, é claro que em lugar do Vento o que há aí é um Bento, do latim Benedictu, como possuidor. Talvez a substituição não se tivesse operado assim tão facilmente se, na Galiza atual, em lugar de Bieito, Bento se tivesse conservado como resultado maioritário da evolução de Benedictu — tal como acontece em Portugal. E convém dizer “na Galiza atual” porque, se deitarmos uma olhada sobre a toponímia, as ocorrências de Bento são muito mais do que as de Bieito, enquanto na antroponímia as ocorrências de Bieito são no século XX muito mais comuns do que as do quase desaparecido Bento. É, pois, possível; mas, em qualquer caso, isso não exculpa quem no passado praticou a ignorância por motivações políticas nem quem a continua a praticar com as mesmas motivações. Que Bieito seja a forma maioritária dos nomes atuais na Galiza não invalida a presença de Bentos na Galiza, nomeadamente referidos a casas grandes, moinhos e outros tipos de herdades.
A presença de Bieitos na toponímia galega é também relativamente alargada, mas interessa notar como o significado adjetival do latim benedictu pôde ter passado para a toponímia, sem que por aparecer Bieito se deva automaticamente deduzir um caso de posse. É o caso de Souto Bieito, em Riós, que parece corresponder mais com um souto bendito que com um souto de Bento; ou, mais claramente, o caso de Regos Bieitos (manancial compostelano), onde o plural nos situa rapidamente sobre uma função epíteto, e não sobre um complemento nominal.
Enfim, quer que sejam Bieitos ou Bentos, o que fica claro é que não podem ser Ventos mais que quando esteja justificada essa massa de ar a mover-se, que costuma chegar pola via toponímica com formas como Ventoso e Ventosa, Ventoeira, e outros.
5 respostas
Bom dia. Somente umha pergunta: no mapa que acompanha este artigo, aparece assinalada também a existência do topónimo "O Vento" (assim com "v" na sua forma gráfica oficial) no concelho chairego de Begonte? Obrigado.
A procura está feita sobre a base de toponímia do Sitga-Ideg, que inclui o nomenclátor oficializado pela Junta da Galiza e também o que vai havendo do projeto Toponímia de Galicia, também promovido (mas, ultimamente, melhor dito, paralisado) pela própria Junta. Tristemente, essa ocorrência que aponta o Ulmo não aparece no Sitga-Ideg, de modo que também não aparece no mapa que forneço para acompanhar o texto. Os mapas, em qualquer caso, não devem ser considerados exaustivamente, mas apenas a modo de orientação estatística.
Em Portugal a fonética B derivou em V na maioria das palavras. O norte de portugal, onde o grego, latim, celta e germano se manteve mais enraizado, ainda conserva no seu sotaque o som B em vez do V (como Biana em vez de Viana, Bento em vez de vento, etc.). aliás, nos lusiadas, a maior obra literária portuguesa de Camões, a primeira estrofe começa com "às armas e aos Barões assinalados", onde os Barões significam "Varões" (filhos primogénitos) e não Barões (título nobliático)