Mudanças toponímicas na Galiza a partir do Decreto de 1916

Carta Geométrica da Galiza, de D. Fontám (seçom 11)
⮑ Carta Geométrica da Galiza, de D. Fontám (seçom 11)

Em 1916, o geógrafo, historiador e escritor Manuel de Foronda convenceu o governo liberal do conde de Romanones para aprovar um Real Decreto que iria modificar mais de quinhentos topónimos de todo o Estado, incluídos vários na Galiza. A ordem, que foi aprovada em 2 de julho, respondia a um único objetivo, tal como indicado no preámbulo:

que desaparezca la extraordinaria y lamentable confusión originada por el hecho de existir, entre los 9.266 Ayuntamientos que constituyen la Nación, más de 1.020 con idénticos nombres, y éstos sin calificativo ni aditamento alguno que los distinga

RD 1916

No caso que interessa, o certo é que as mudanças foram poucas se consideramos que a Galiza atesoura o maior número de topónimos do Estado, com diferença, e que viu alterados apenas quinze deles, o que corresponde a menos de 5% do total dos 322 concelhos galegos da altura. Há que ter em conta, em todo caso, que as mudanças afectaram apenas as cabeceiras dos municípios, sem considerar outras ocorrências.

Como é claro, mesmo no extremadamente rico corpus de nomes de lugar, as repetiçons e o facto de vários lugares partilharem o mesmo nome nom é infrequente. Antes ao contrário. Nomes como Outeiro, Castro ou Igreja e outros derivados do lat. ecclesia estám por toda a parte na nossa toponímia. Para o dia a dia, estas repetiçons nom constituem qualquer problema — menos ainda numha época em que a mobilidade era muito menor do que hoje. Quando os topónimos repetidos estavam distantes entre si, o sentido era quase sempre sobreentendido. Quando estavam próximos, fórmulas do tipo «de Riba» e «de Baixo» costumavam servir o suficiente. Mas a situaçom é completamente diferente se considerarmos as necessidades técnicas da administraçom pública.

O Real Decreto de 1916 é, pois, filho dessas necessidades, e era inevitável ter acontecido. Outra cousa é que o Estado espanhol na altura se negasse a considerar a existência doutras línguas diferentes do castelhano e que — deturpando barbaramente a toponímia para a adaptar aos esquemas dessa língua oficializada, mas, polo demais, imposta — o grau de afetaçom do Real Decreto fosse maior do que estritamente necessário.

Afinal, as mudanças estabelecidas nom sempre fôrom para diferenciar nomes galegos castelhanizados de outros nomes fora da Galiza. Quer dizer: havia casos de repetiçom potencialmente problemática dentro da própria Galiza, que nom desapareciam com só respeitar a forma autóctone do nome. É o caso dos dous concelhos de Paderne e dous concelhos de Vilameá. E ainda do caso especial das duas Oça. E já tinha acontecido também doutras estruturas administrativas prévias, do antigo regime, como se vê na Veiga do Bolo (atual concelho da Veiga) e na Veiga d’Eu (atual Veiga, em Astúrias, que no Antigo Regime fazia parte da província de Mondonhedo).

A continuaçom indicam-se as mudanças toponímicas introduzidas polo Real Decreto de 1916, que consistírom, as mais das vezes, em incorporar aqueles «aditamentos» distintivos — por sinal, deixando em paz os topónimos de entidades maiores ou mais importantes. Evidentemente, a ordem partia e acabava nas formas espanholas, e o aditamento consistiu, polo geral, na fórmula «de + nome do partido judicial», pois o partido judicial era, na altura, a unidade mínima de administraçom do Estado. Também fôrom empregues outras fórmulas, como hidrónimos, orónimos e outros elementos singulares próximos.

Em primeiro lugar, vejamos os topónimos duplicados dentro da Galiza. Som os casos de Paderne, de Vilameá e de Oça. A continuaçom, o resto de casos, que tinham como objetivo distinguir os topónimos galegos de outros que existiam, repetidos, noutras partes do Estado, divididos segundo a tipologia do novo topónimo.

Duplicados dentro da Galiza

§ Paderne de Alhariz. Diz o texto: Paderne, partido de Allariz, se llamará Paderne de Allariz. A motivaçom era diferenciá-lo do Paderne que hai na comarca das Marinhas e que conservou o nome sem aditivos. Eis um caso claro da fórmula antes apontada: topónimo + de + corónimo comarcal — neste caso o do partido judicial.

§ Vilameá. Nom existe hoje concelho galego nengum de nome Vilameá, mas na altura de 1916 havia, efetivamente, dous: um deles na comarca de Celanova e outro na da Marinha. O escolhido para aplicar a mudança foi o de Celanova. Diz o texto: Villameá, partido de Celanova, se llamará Villameá de Ramiranes. Como no caso de Vilanova dos Infantes, que depois veremos, a mudança nom teria muito tempo para assentar, porque apenas dez anos depois, Vilameá de Ramirás acabaria fusionando-se com o município de Freás de Eiras para constituir o concelho de Ramirás. A Vilameá marinhá perdurou até 1951 com esse nome, quando o mudou pola forma castelhanizada Puente Nuevo. Em 1963, a fusom daquele «Puente Nuevo» com o concelho de Vilaoudriz daria o território atual, sob a denominaçom franquista de Puente Nuevo-Villaodrid até que a forma galega foi restituída (e simplificada) em 1984 por ordem do governo galego, resultando o nome atual do concelho da Ponte Nova.

§ Oça. O caso de Oça é especial, porque no momento em que foi publicado o Real Decreto existia na Galiza — e no resto do Estado — apenas um concelho de Oça. Nom haveria motivo para lhe mudar o nome, aparentemente. Mas é possível que durante os estudos prévios houvesse conhecimento do velho concelho de Oça, integrado no da Corunha apenas quatro anos antes. De modo que, no texto, pode-se ler: «Oza, partido de Betanzos, se llamará Oza de los Ríos», para o distinguir do Oça que já nom era mais concelho. Quais rios, em todo caso? Sem dúvida, os dous mais importantes que percorrem o território: o Mendo e o Mandeu.

Incorporaçom de corónimos comarcais

§ Malpica de Bergantinhos. Neste caso, tratava-se de diferenciar a vila galega de outras duas Malpica que havia nas províncias de Toledo e Saragoça. Diz o texto: Malpica, partido de Carballo, se llamará Malpica de Bergantiños. Com o RD, a Malpica aragonesa incorporaria o apelido «de Arba», enquanto a de Toledo ficava com o nome simplificado até 1960, quando apareça no censo como Malpica de Tajo.

§ Monforte de Lemos. Como no caso de Malpica, no Estado existiam vários concelhos com o nome de Monforte. Além do galego, havia também um em Salamanca, que passa a ser Monforte de la Sierra (ou Monforte de la Sierra de Francia); em Teruel, que passa a ser Monforte de Moyela; e em Alacante, que passou a ser Monforte de la Rambla, mas que mudaria o seu nome no mesmo ano por Monforte del Cid. Nenhum deles ficou, portanto, sem apelido. No texto do RD lê-se: Monforte, partido de Monforte, se llamará Monforte de Lemos.

§ Vilamartim de Val d’Eorras. Villamartín, partido de Valdeorras, se llamará Villamartín de Valdeorras. No caso, Villamartín também havia em Cádiz, que foi o que ficou sem mudanças; em Burgos, que passou a denominar-se Villamartín de Villadiego; em Palencia, que passou a ser Villamartín de Campos; e em Leom, que passou a ser Villamartín de Don Sancho.

Incorporaçom de hidrónimos

§ Antas de Ulha. A confusom do concelho galego de Antas era com um outro da província de Almeria, que ficou com o nome tal como era. No texto lê-se: Antas, partido de Chantada, se llamará Antas de Ulla.

§ Salvaterra do Minho. Salvatierra, partido de Puenteáreas [sic], se llamará Salvatierra de Miño. Deixando à margem o caso da castelhanizaçom em «Puenteáreas», o que incomodava era a confusom com os topónimos Salvatierra na província de Araba (atualmente Salbaterra/Angurain) e na província de Saragoça, que passou a se denominar Salvatierra de Esca (no documento escrito Escar, parece que por erro).

§ Salzeda de Caselas. Diz o texto: Salceda, partido de Tuy, se llamará Salceda de Caselas. No caso, tratava-se de o distinguir de La Salceda, na província de Segóvia. O Caselas é um pequeno rio de 12 km, afluente do Minho, que serve de linde entre os concelhos de Salzeda e Salvaterra do Minho.

Incorporaçom de elementos comuns

§ Acevedo do Rio. Acevedo do Rio, hoje paróquia do concelho ourensano de Celanova, existiu como concelho entre 1836 e 1968. Tratava-se de o diferenciar do Acebedo de Leom, que conservou o seu nome sem trocos. Daí o texto: Acebedo, partido de Celanova, se llamará Acebedo del Río. Qual rio? A resposta nom aparece no documento, é claro, mas umha pesquisa rápida dá para ver que o principal rio que atravessava o território era o Tunho, afluente do Arnoia. Por algum motivo, a proposta nom foi Acevedo do Tunho, como sim aconteceu com Antas de Ulha e Salvaterra do Minho.

§ Viana do Bolo. Neste caso, o objetivo era distinguir a Viana galega, que ademais dá nome à comarca, da Viana de Navarra, que ficou sem mudanças, e da Viana de Soria, que passou a ser Viana de Duero. O texto diz: Viana, partido de Viana, se llamará Viana del Bollo. Para o Bolo de Viana tenhem-se proposto inúmeras etimologias populares. Ignora-se o motivo que levou a comissom ou os seus informantes locais a incorporar este elemento «Bolo» no nome, (que, para o caso, aparece já assim no Diccionario Geográfico-estadístico de España y Portugal, tomo IX, de Sebastián de Miñano, que apareceu entre 1826 e 1829, portanto quase um século antes do decreto de 1916). Mas o certo é que nas imediatas redondezas podemos topar outros corónimos com o mesmo formante: o próprio concelho Bolo, e o atual concelho da Veiga, que a efeitos da toponímia oficial da altura era, precisamente, «Vega del Bollo». (cfr Madoz (1845), XV, 629). Pode-se conjeturar, portanto, a existência dumha bisbarra ou, entom, dum território ou dumha tença do Bolo, que coincida com os atuais concelhos limítrofes do Bolo, Viana do Bolo e A Veiga, acabalo das atuais comarcas de Viana de Val d’Eorras.

§ Campo Lameiro. Por último, também o concelho de Campo sofreu modificaçom, para o distinguir do Campo de Huesca, que conservou o nome, e do Campo de Cáceres, que passa a denominar-se Campo de Alcántara, mas apenas durante quatro anos, porque no censo de 1920 aparece como El Campo, e hoje como Campo Lugar. O texto indica: Campo, partido de Caldas, se llamará Campo Lameiro. E entom vale perguntar: por que «Lameiro»? Sem dúvida, é difícil indicar exatamente o por que da escolha. Mas Lameiro é nome dumha aldeia próxima ao próprio núcleo da Lagoa, que é a capital municipal, ambos na paróquia de Campo que dava nome original ao concelho. Estamos, portanto, diante dum topónimo composto pola uniom de dous topónimos precedentes, similar aos casos atuais de Oça-Cesuras e Cerdedo-Cotovade. E se assim for, nom haveríamos de escrever o nome como Campo-Lameiro, com traço?

Incorporaçom de hagionímicos

§ S. Cristovo de Ceia. Outras vezes, a distinçom foi feita a partir de hagionímicos. É o caso do velho concelho de Ceia, que havia que diferenciar do Cea da província de Leom. O texto indica: Cea, partido de Carballino, se llamará San Cristóbal de Cea.

Casos especiais

Para terminar, houvo ainda dous casos especiais, que nom seguírom nengumha das estratégias acima apontadas.

§ Nogais. No caso das Nogais, castelhanizado em «Nogales», trava-se de as diferenciar de Nogales, em Badajoz. O texto diz assim: Nogales, partido de Becerreá, se llamará Los Nogales. A estratégia, como se observa, foi incorporar apenas o artigo, que ainda sobrevive hoje no Nomenclátor oficial da Galiza.

§ Vilanova dos Infantes. Neste caso, a mudança foi ao revés, e o nome composto, tradicional, foi reduzido apenas a Vilanova (sic). Eis o texto: Villanueva de los Infantes, partido de Celanova, se llamará Villanueva. No caso, tratava-se de o diferenciar de dous municípios com o nome Villanueva de los Infantes: um na província de Cidade Real, que mantivo o nome sem mudanças, e outro na de Valhadolid, ao que se lhe impujo o nome de Infantes — ainda que a ordem nom foi acatada. Em qualquer caso, o concelho de Vilanova dos Infantes acabaria integrando-se no de Celanova apenas umha década mais tarde, em 1927, recuperando o nome histórico da vila, já como cabeça da paróquia.

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