Rãs que não cantam

As rãs coaxam. Há também quem diga que cantam, mas, na realidade, o que as rãs fazem chama-se coaxar. A toponímia, por enquanto, parece dizer o contrário, quando menos à partida. Porque polo país adiante há várias Cantarrã (concs. Oímbra, Póvoa de Trives, Viveiro, Sárria, Riba d’Eu, Salvaterra do Minho), Cantarrana (concs. Viveiro, Ferrol), e, sobretudo, Cantalarrana (concs. Barreiros, Vilalva, Sárria, Ames, Avanha, Brião, Compostela, Vale do Dubra, Riba d’Ávia e Cangas) — assim tão barbaramente espanholizado. E aínda há um Cantanarrás em Vereia e um Cantanasrãs em Moanha.

Se deitarmos uma olhada para mais longe, veremos também outros construtos a partir do que aparentemente é cantar. Há Cantagallo em Salamanca e Canta-el-Gallo em Toledo. Também há uma Cantada do Galo na Gudinha, por certo, e  Gallocanta e Cantalobos em Zaragoza e Castelló. Cantallops também há em Girona e, para não estender de mais a lista, há um Cantalapiedra em Salamanca e um Cantalamuda em Palencia. Conclui-se, portanto, que a série constituída por construtos elaborados, aparentemente, por cantar + animal, é relativamente extensa, por todo o norte da península Ibérica. 

Uma hipótese lítica

Para explicar estes casos galegos há, principalmente, duas hipóteses se, definitivamente, descartamos a explicação cantar + animal, que onomasticamente não faz muito sentido, embora haja quem queira ver nesses casos referências a águas empoçadas onde se dão rãs e cágados.

A primeira hipótese é que tenha a ver com o árabe qantara, que significa ponte, mas também aqueduto no sentido da sua estrutura, isto é, referindo a “ponte” pola que se faz discorrer a água. No norte da Itália, concretamente na zona de Milão, há, com efeito, ocorrências de cantarana no mesmo campo semântico, concretamente referido à água conduzida por um canal de pedra. Diversos argumentos jogam à contra, neste caso. Em primeiro lugar, as ligações desse cantarana milanês com o qantara árabe parecem pouco seguras. Por outra parte, a presença de diferentes Chanterane na toponímia francesa torna ainda mais difícil explicar os Cantarrãs galegos dessa óptica, segundo penso. E, finalmente, não deve esquecer-se que, no caso da Galiza, pouca toponímia de origem árabe há (alguma sim), e, aliás, não se regista rasto de qantara para denominar o que são presas, acéquias, azenhas ou regueiros.  A outra hipótese é que a procedência dos diferentes resultados dados na Galiza e também noutras áreas da Europa seja mais antiga. Penso que se trate de um derivado de dous étimos: *kant- ‘pedra’ e *arn- ‘rio’. Em primeiro lugar, a raiz *kant- está presente no pré-céltico kantos, que significa bordo, esquina, extremo, e que dá em irlandês antigo cét (piar de pedra arredondado), em galês cant (borde, extremo, ponta) e em gaulês *kanto-. A forma céltica provém, por sua vez, do proto-IE *kan-tho-, que dá também resultados noutras famílias, como o eslavo kǫtъ, o grego κανθός, ou a latina cantus, do que procede o nosso ‘canto’. Fica por perfilar, em qualquer caso, o significado da raíz, na medida em que pode referir uma estrema ou uma pedra. Confronte-se, ao respeito, a mesma relação semântica na raíz *kor-/kar- que dá tanta toponímia no país —Corunha, Corcubiom, Corme, Carnota— e cujo significado caminha, também, acavalo entre pedra e promontório (estrema).

Em segundo lugar, a raiz *arn- parece provir, por sua vez, do indoeuropeu *er- e tem a ver, semanticamente, com o conceito de “excitar, pôr em movimento”, de onde se tiram aplicações hidronímicas, precisamente, por essa referência ao movimento. A lista de étimos originados a partir daí é imensa, e apenas destacarei aqueles que tenham a ver com a hidronímia, como o latim orior ‘surgir’ ou o antigo alto alemão rinnan ‘correr, fluir’, por citar apenas referências geograficamente próximas. O caso é que, evidentemente, existe abundante hidronímia europeia relacionada com esta raiz: Arno na Toscana; Arn, Arne e Orne na França; ou Earn na Inglaterra. Também na Galiza há Arnoia, Arnego e Arno, não relacionáveis com o latim arena, que alguns autores apontam e que sim está na origem de outros topónimos como Arnada, Arneiro, Arnela, Arnoso, etc.

Em conclusão, Cantarrã (em nenhum caso Cantalarrana, que é barbarismo evidente) refere um cauce de água pedregoso ou, talvez, a estrema de um regato, isto é, o seu nascimento ou a sua desembocadura.

Uma resposta

  1. Um saúdo, o de 'coaxar' pode ser vulgar-coloquial, concretiçando, os anfíbios disse que emitem sons ou cantos, dependendo da súa actitude, do seu comportamento, é exemplo os cantos territorias dos machos de rãs e sapos quando no cio
    Cumprimentos

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