Comecemos esta primeira nota sobre toponímia árabe centrando-nos no tema sidi, do árabe sayyid (“senhor”), que deu, evolutivamente, a forma *zide (var. *side, *xide) que aparece tanto na Galiza como em Portugal habitualmente como segundo elemento de um topónimo composto. Na Galiza, figuram Abuzide, Cazide, Cardezide, Carpazide, Carrazide, Carrozide, Casal de Zide, Crezide, Donzide, Lamazide, Lamarzide, Menzide, Mouzide, Pranzide, Pedrouzide, Salzide, Teizide, Touça de Zide, Vila Zide e Vila Perzide. Aparecem, aliás, Codeside, Louside e Maside, e também, finalmente, Ameixide, Bugide, Caxide, Eigide, Freixide, Gugide, Lexide, Maxide, Meixide, Taxide, Teixide, Vigide, Gegide e Tojide, que tentaremos explicar.
O que não é senhor
Em primeiro lugar, algumas destas ocorrências pouco ou nada têm a ver com o sayyid > sidi árabe, mas noutras é possível sugerir essa relação sem aparentemente cair em contradições evidentes. Convém, por isso, eliminar primeiro aqueles nomes que não correspondam a este grupo de origem árabe. À partida, sabemos que a terminação -ide/-ite é a evolução normal do genitivo -iti, o que obriga a procurarmos referências com terminação -itus. Entre os topónimos encontrados, respondem claramente a esta fórmula Gegide e Eigide, genitivos do antropónimo Gegitus. Do mesmo modo, Bugide e Gugide serão variantes do genitivo de Gugitus; Vigide será genitivo de Vegitus, Lexide de Lesidius e Magide de Magitus. Por outra parte está Maside, que não corresponde com Magide com pronúncia de /ʃ/ como /s/, pois está documentado como Masidi no século V — o que, ao mesmo tempo, impede que seja explicável através do apelativo árabe sidi.
Também não parece que tenham muito a ver com sidi outros topónimos: Carrazide (Compostela) poderia ser forma genitiva de Carrazedo, que aparece como topónimo de maneira muito comum, tanto na Galiza como a norte de Portugal. E o mesmo para Carrozide (Alfoz), com uma variação a/o que nada deve estranhar. Igualmente, parece possível descartar Salzide por este método, considerando a multidão de ocorrências de Salzedo e Salzeda e mesmo de Salzido. E tampouco parece que pertençam ao grupo de sidi as formas Codeside, Tojide, Ameixide e Freixide, que provavelmente correspondam a fitotopónimos que, por sua vez, explicam as terminações -side/-xide/-jide como valor coletivo.
O tema Sidi
Os topónimos que parecem mostrar uma presença de sidi mais evidente são os construídos com o primeiro tema derivado de tagi-/tegi-, sobre o qual já falamos anteriormente. Estariam neste bloco Taxide, Teizide, Teixide e Teixiz, com o significado provável de ‘alpendre ou casopa do senhor’. Interessa assinalar que a forma *tei- deveu manter o seu valor apelativo quando menos até ao século XI para poder dar origem a estes híbridos celto-árabes. Com um valor semântico similar também temos Casal de Zide, Cazide (Cas + sidi) e Cardezide (Cas + de + sidi), onde o elemento tagi-/tegi- céltico é substituído pelo latino casa, com aplicação de rotacismo sobre o -s no caso de Cardezide. Trataria-se, nestes casos, de ‘casa do senhor’. Com a mesma estrutura haveria um Touça de Zide, com significado diáfano que não requer mais explicação.
Os dous últimos topónimos onde posso rastejar uma referência clara de sidi são Abuzide e Donzide, com as seguintes explicações possíveis. Abuzide parece ser um topónimo composto de abu + sidi, sendo esse abu uma kunya islâmica, muito utilizada em todo o islã com valor antroponímico. O significado seria ‘pai do senhor’, referindo provavelmente as terras do progenitor de um senhor. Donzide, por sua vez, pode vir composto pela partícula de tratamento latina dom, mais o sabido sidi, resultando um pleonasmo dos muitos que há na toponímia. Sobre esta base seria possível também aventurar que Mouzide possa construir-se a partir do possessivo mon + sidi, com estrutura análoga em mon + senhor = monsenhor. O resultado seria um *Monzide cuja nasal bem poderia ter evoluído em -ou-: Mouzide. E, ainda, também poderia haver uma variação de *mon- > *men- sobre o par relativamente habitual o/e entre nasais: Menzide, ainda que isto com menor segurança.
Enfim: é certo que na Galiza pouca toponímia árabe há. O processo de avanço muçulmano pela península ibérica não se assentou a norte do rio Douro pela faixa atlântica, mesmo tomando como referência a máxima expansão do califado de Córdoba, por volta do ano 1000. Em consequência, a presença de toponímia árabe, ainda existindo, é quase puramente testemunhal, ao contrário do que acontece em Portugal a sul do Douro e mais intensamente quanto mais a sul, em boa lógica. Mas, mesmo assim, há toponímia que merece ser identificada e estudada.
Uma resposta
Poucos topónimos há efectivamente, e talvez quase nenhum em realidade http://anuariobrigantino.betanzos.net/Ab2005PDF/2005%20139-148%20EULOGIO.pdf