Topónimos germânicos (II): terminações em -riz

⮑ Serra dos Ancares

Continuamos agora com a toponímia galego-portuguesa de raiz germânica, centrando-nos nos numerosíssimos topónimos com terminação -riz. Antes de mais, porém, será necessário notar que, na Galiza, polo habitualmente alegado impasse linguístico, as formas em -riz convivem, no nomenclador oficial, com terminações em -ris oxítona (vg. Sabaris, Esparis, Guldris, etc.) que, em qualquer caso, deveriam sempre escrever-se -riz (Sabariz, Espariz, Guldriz, etc.) se quisermos manter uma mínima fidelidade etimológica.

Do mesmo modo que já se notou para os topónimos germânicos com terminação -rei, os topónimos em -riz costumam provir de antropónimos (germânicos) na sua forma genitiva. Se as terminações em -rei provinham de antropónimos terminados no deuterotema *reth, com latinização *-retus, genitivo *-reti, e depois sonorizando o -t- em -d-, que se perde finalmente; nos topónimos em -riz transparece um antropónimo com terminação em *-ricus [deuterotema *-rik], que faz o seu genitivo em -rici, onde o -i final desaparece e -c-, com valor [k], sonoriza em -z com valor [z]. De modo que, por exemplo, Baldrei será a [villa] Balderedi, isto é a vila de Balderedus. E, por enquanto, Baldriz será a [villa] Balderici, isto é a vila de Baldericus. Ambos os antropónimos, Balderedo e Balderico, têm ocorrência nos documentos medievais galegos e procedem, ademais, do mesmo prototema *bald- ou *balt-, relacionado com o paleogermânico *balþaz, que significa ‘forte, atrevido’. E, do mesmo modo, tanto Baldrei como Baldriz são topónimos galegos, localizados, respetivamente, em Maceda e Qualedro. Considerando as ocorrências de antroponímicos germânicos na Gallaecia, não deverá ser difícil identificar uma boa parte da restante toponímia que tenha a ver com este caso do genitivo das terminações em -ricus, e que é abundantíssima.

Aliás, é necessário notar que, como se disse anteriormente, na sequência do que foi a deficiente normativização das falas galegas, muitos dos topónimos com terminação -riz (oxítonos) grafaram-se como -ris, desrespeitando a forma etimológica em favor critérios alheios à linguística. Isto significa que muitos dos topónimos acima referidos também se poderão encontrar sob essa forma -ris, como Sabaris/Sabariz, Esmoris/Esmoriz, Gomaris/Gomariz, Gondris/Gondriz, etc., e que outros muitos aparecerão apenas com essa forma -ris. Por outra parte, também convém ter em conta que nas falas mais ocidentais da Galiza é comum ver terminações -is que provêm de formas -ins, com queda desse -n- intevocálico em origem, dando lugar a topónimos como Aris, que têm os seus cognatos com -n- bem documentados: neste caso Arins, o que não impede a existência de Ariz e Aris de origem germânica. É necessário ter isto em conta para não identificar todas as ocorrências –ris como variação de –riz.

Pois, tomando como referência o Nomenclátor da Galiza, a falta de um registo melhor e mais completo, encontram-se as seguintes ocorrências de -riz e -ris (apenas notadas quando diferentes das anteriores): Agris, Alboris, Alburiz, Aldariz, Alhariz, Almariz, Amariz, Andaris, Anderis, Andris, Ansariz, Anxeriz, Ascaris, Aspariz, Ardariz, Argeriz, Ariz, Ascariz, Astariz, Baldariz, Baldriz, Bariz, Beariz, Beiriz, Beleiriz, Benderiz, Besteburiz, Betris, Brandariz, Buriz, Castriz, Contariz, Conturiz, Dariz, Distriz, Eiriz, Enxeriz, Esmoriz, Espandariz, Espariz, Esporiz, Esteriz, Flariz, Fondariz, Formariz, Geriz, Gimondriz, Goiriz, Golariz, Gomariz, Gondoriz, Gondriz, Guariz, Guitiriz, Gulfariz, Gunduriz, Iris, Juriz, Landriz, Leboriz, Lubriz, Madriz, Maariz, Magriz, Mariz, Meriz, Milhariz, Mondariz, Mondriz, Mouriz, Odriz, Ouriz, Outariz, (o) Podriz, Porrodriz, Rairiz, Reiriz, Restriz, Rodriz, Romariz, Roris, Rouris, Sabariz (Xabariz), Senderiz, Soutariz, Toiriz, Touris, Trasariz, Tudriz, Uriz, Usuriz, Valdariz, Vilagondriz, Vilamariz, Vilaoudriz, Vilastriz, Vileiriz, Vilouriz, Vitiriz, Viris e Xindiriz.

Equivalências diretas

Equivalências diretas com antropónimos documentados na época medieval —via CODOLGA— apresentam Alburiz e Alboris (Alvaricus), Aldariz (Aldericus), Alhariz (Aliaricus), Almariz (Almaricus, que com metátese dá Amalricus, também documentado, possivelmente por trás de Amariz), Andaris, Anderis e Andris (Andericus), Ansariz, Anxeriz e Enxeriz (Ansericus), Ardariz (Ardaricus), Ascariz (Ascarigus), Aspariz, Espariz e Esporiz (Asparigus), Astariz e Esteriz (Asterigo), Balderiz e Baldriz (Balderico ou Baltaricus), Beariz (Viaricus), Benderiz (Vendericus), Beiriz e Beleiriz (Viliaricu), Betris (Betericus), Brandariz (Brandericus), Buriz (Buricu), Contariz e Conturiz (Conterico), Distriz (Destericus), Espandariz (Spandaricus), Formariz (Formaricus), Gomariz (Gomaricus) Gondoriz e Gondriz (Gunderigu), Guitiriz e Vitiriz (Vitiricus), Gulfariz (Gulfaricus), Gunduriz (Gunderigus), Leboriz e Lubriz (Leoverigus), Mondariz e Mondriz (Mundericus), Odriz (Odericus), Outariz (Aucturicus), Rairiz e Reiriz (Rairicu, talvez proveniente de Rakericus?) Restriz (Restericus), Rodriz, Roris e Rouriz (Rudericus), Romariz (Romarigus), Sabariz (Savaricus), Senderiz e Xindiriz (Sendericus). Há também topónimos compostos relacionados com estes antropónimos, como Valdariz, Vila Gondriz, Vilamariz, Vilaoudriz, e Vilastriz.

Algumas equivalências indiretas

Noutros casos, não se registam, na documentação medieval, ocorrências dos antropónimos que teriam dado, por equivalência direta, os genitivos necessários para formar os topónimos que encontramos no nosso país. É possível, porém, deduzir a existência desses antropónimos se tivermos presente o facto de o deuterotema -ricus pode combinar-se com outros protemas. Deste modo Ariz provavelmente provenha do documentado Alaricus, com lenição normativa do -l-, e assim por diante. Lenições deste tipo também apresentam Bariz (Badericus), Goiriz (Godericus), Mariz (Malaricus) e também Maariz, cuja dupla -aa- aponta claramente para essa lenição embora a existência, também documentada, de formas do tipo Malrici. É de supor, por outra parte, que Meriz possa provir de Mariz, por algum tipo de harmonização. No caso de Ouriz, parece que provenha, também com lenição, de Audericus; e, continuando com as lenições, há o caso de Juriz, proveniente de Iubericus, com assimilação Iuuerici > *Iuerici > *Iurici > Juriz; e Toiriz/Touris, provavelmente relacionado com Tudriz ao provenirem ambos de Teodericus, com uma dupla evolução: Teoderici > *Teodriz > Tudriz; e, paralelamente, Teoderici > *Toerici > Toiriz. Outro caso de múltipla evolução pode explicar os topónimos Viris e Uriz, que acho provenientes de Uitiricus, do mesmo modo que Guitiriz. Para ser assim, seria necessária uma sonorização do -t- e, posteriormente, uma lenição do -d- correspondente: Uitiriz > *Uidiriz > Uiriz e, ao tempo, Uidiriz > *Udiriz > *Uiriz > Uriz.  Estaríamos, então, perante uma tripla evolução, com três resultados cuja diferença vai além de uma variação vocálica: Guitiriz, Viriz e Uriz. Nada impede que seja assim.

A diptongação normativa do galego-português explica também a evolução de Eiriz e Iris (redução esperável) a partir de Ariz (de Alaricus, como dissemos).

Para Dariz proponho duas hipóteses. A primeira, que proceda de Odarici, com segmentação da vogal inicial ao confundi-la com o artigo, dando lugar ao sintagma “o Dariz”, onde o artigo poderia ter desaparecido [para mais sobre a segmentação do falso artigo, veja-se a nota publicada neste caderno]. A segunda, que proceda de Tadarici, com lenição de -d- e sonorização do t- inicial, ou diretamente por haplologia, reduzindo o inicio dada- em da-, o que é comum no interior de palavra, mas menos comum no início. A mesma solução proponho para Geriz, que poderia provir de um Segericus sim documentado: Segericus > Gericus, -i.

Para Esmoriz não encontro antropónimo masculino. Aparecem, porém, o genitivo Esmorice já em 954 (Santiago), o que remete para a existência de um nominativo *Esmoricu, e também nominativo feminino Hesmorica (Sobrado: 1190). Usuriz tem presença como antropónimo na forma genitiva Usarici, que impõe a existência de um Uisaricus na linha dos sim documentados Uisulfus, Usegildus, Uisaldus, Uisaridus ou Uisellu. Um caso estranho é o de Flariz, para o que há constância de Frarico, mas que obriga a inverter a normal evolução rotacista de l > r, considerando um r > l, menos comum.

Outro grupo é o constituído, como é costume com os antropotopónimos, polos resultados híbridos onde o elemento possuído (vila, terreno,…) não desaparece, mas se fossiliza: aí estão Vila Gondriz, Vila Mariz, Vila Oudriz, Vilastriz, Vileiriz e Vilouriz, derivados todos do étimo vila. E também Valdariz, sintagma “vale de Ariz”; e Soutariz, sintagma “souto de Ariz”. Proponho também incluir aqui o topónimo Fondariz, para o que não encontro antropónimo possível, o que me faz pensar num hidrónimo fons Tadarici ou num fons (O)darici que dê este resultado.

Deduções

Ficam ainda alguns antropotopónimos que não se documentam na sua forma nominativa nos textos medievais. Porém, dado que a maioria dos nomes de pessoa germânicos da época são compostos por um protema e um deuterotema, procedo agora a mostrar aqueles protemas sobre os que se poderia ter colocado o deuterotema *rekh- que dá a terminação que estudamos.

  • Agris apresenta o mesmo protema *agi- de Agiulfus, Egeredus ou Agildus, suficientemente documentados. Não seria estranho, pois, um Agiricus que der o nosso Agris. 
  • Também não se documenta qualquer *Besteburicu que explique o topónimo Besteburiz, mas sim um Eburicus, com um protema *ebur– ‘javali’ ao que pode adicionar-se outro protema *vist– ‘oeste’. *Besteburicu, pois, mesmo que não documentado, deveu existir como nome, embora fosse pouco comum.
  • O mesmo caso que Besteburiz parece constitui-lo o de Gimondriz, com outros três temas: *segez ‘bem nascido’,  *mundō ‘proteção’ e o *rīkjaz que estudamos, que daria um *Segemondericus que, com haplologia resultaria Gemondericus, a partir do qual a evolução seria normativa. 
  • Castriz é outro antropotopónimo para o que não há um Castericu, mas sim há Gastre, Leodegasti ou Adegaster do tema *gast– ‘convidado’ que permitem apontar para um *Gastericus.
  • Golariz e Guariz provêm, penso, do protema *gol-, de *gōljanan ‘bem-vindo’, ou de gōlaz ‘orgulho’, ao que adicionar o deuterotema necessário para obter Golaricus. A única pergunta é pelo mantimento do -l- intervocálico, que cai normativamente em Guariz ou Goariz, mas que se mantém em Golariz contravindo a evolução normal.

Outros

Das ocorrências encontradas no Nomenclator da Galiza ficam ainda alguns topónimos por explicar, para os que não encontrei explicação minimamente convicente: são Landriz, Magriz, Milhariz, Podriz e Porrodriz. Alguém com maiores conhecimentos poderá mostrar o caminho neste caso, que talvez não proceda do germânico e sim de outros substratos. Nessa linha, finalmente, é necessário também notar como, nalgum caso, o que parece morfologicamente um caso de antropotoponímia germânica oculta, na realidade, um antropónimo latino. É o caso de Mouriz, de Mauricio, nome latino.

Leia mais:

  1. Topónimos germânicos (I): Terminações em -rei
  2. Topónimos germânicos (II): Terminações em -riz
  3. Topónimos germânicos (III): Terminações em -mil
  4. Topónimos germânicos (IV): Terminações em -ulfe, -ufe, -oufe
  5. Topónimos germânicos (V): Terminações em -sende e -sinde
  6. Topónimos germânicos (VI): Terminações em -ilde

2 respostas

    1. Certamente, deveriam, porque correspondem ao mesmo modelo. No seu dia empreguei o Nomenclator da Junta, que é bastante limitado quanto a topónimos, comparado com outras ferramentas que há hoje. Haverá que fazer atualizaçom!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.