Topónimos germânicos (III): terminações em -mil

⮑ Serra dos Ancares

Continuando com a linha de notas sobre toponímia germânica originária da época do Reino Suevo da Galiza e da ocupação hispano-visigótica posterior e até o s. VIII, é ocasião de falar daquela toponímia com terminação em -mil. Estamos, do mesmo modo que as terminações já comentadas em -rei e em -riz, perante toponímia que responde aos antropónimos dos proprietários rurais da Idade Média e que, justamente por isso, deriva para o galego-português através do genitivo latino vulgar.

A terminação -mil não é mais, então, do que aquilo que ficou da terminação de genitivo -miri que conduz, diretamente para um acusativo -mirum. E este -mirum > -miro, por sua vez, provém do elemento PGmc *mērjaz, que significa “grande, afamado” (V. Orel 2003: 270; v. também o CTAGG, entrada mer-) e que é relativamente frequente na antroponímia germânica tanto como protema (Miro, Mirosinda, Mirualdo, etc.) quanto como deuterotema (Ramiro, Argemiro, Bertamiro, Crescemiro, Salamiro, Framiro, etc., por citar apenas alguns exemplos que deram topónimos). Interessa mais, neste caso, o deuterotema, porque se corresponde com o -mil que estamos a examinar.

Mas, como se passa desse -miri ao -mil? Sabe-se que o -i do genitivo latino se perde na Gallaecia, resultando -mir. Sobre essa terminação com -r final produz-se posteriormente uma lambdaização que transforma o -r em -l, ainda quando interessa notar como esse processo é pouco comum em galego-português. Há línguas, porém, em que é relativamente frequente, como no caso do castelhano (lat. arbor > cast. árbol, lat. marmor > cast. mármol), no qual ainda hoje, em âmbitos geográficos localizados, continua a produzir-se quando -r se encontra em posição débil.

Uma procura nas bases de dados toponímicas da Galiza oferece os seguintes resultados: Amil, Aguamil, Andamil, Angomil, Ansemil, Antemil, Argemil, Arjomil, Belmil, Bendomil, Bertamil, Bertomil, Boimil, Brandomil, Cadarramil, Candamil, Carramil, Carsomil, Cartemil, Cartomil, Castramil, Castromil, Castrorramil, Cendemil, Contomil, Coutomil, Creximil, Cristimil, Damil, Estramil, Estremil, Estrumil, Faramil, Fermil, Fondomil, Fontemeimil, Framil, Franzomil, Gaamil, Gadamil, Gamil, Gardamil, Gemil, Germil, Gesmil, Goimil (Güimil), Gomil, Gondomil, Gradamil, Graimil, Guemil, Guilhamil, Guiximil, Guntimil, Isamil, Lamateimil, Lantemil, Loimil, Maimil, Mil, Portamil, Queimil, Quindimil, Ramil, Randamil, Randomil, Recimil, Regomil, Rejamil, Resumil, Rosomil, Saamil, Samil, Sanmil, Santomil, Sanxomil, Sanxumil, Saramil, Sesmil, Seixomil e Seixosmil, Simil, Sugamil, Susmil, Trasmil, Trastemil, Troitomil, Toimil, Torromil, Tuimil, Vadamil, Vilacemil, Vilavermil, Vilamil, Vilaeimil e Zaramil.

Equivalências diretas

Mais uma vez, como nos outros casos, se fizermos uma comparativa da toponímia encontrada e a antroponímia documentada, veremos coincidências claras: Andamil (Antemirus), Ansemil (Ansemirus), Antemil (Antimir, sem latinizar), Argemil e a sua variante Arjomil (Argemiro), Belmil (Belmirus), Bertamil e Bertomil (Bertamirus), Candamil, Cendemil e Quindimil (Cendamiro, com dupla realização vocálica a/e), Cartemil e Cartomil (Cartemirus), Castramil e Castromil (Castremiro), Creximil (Crescemirus), Cristimil (Vistremirus, com passo w- > qu- e com metátese de -r- por homofonia com Cristo), Damir (Damiro, por sua vez proveniente de Tadamirus ou de Odamirus), Estramil, Estremil e Estrumil (Ostromiro ou variante Vestremiro), Faramil e Framil (Framirus, e no caso de Faramil, com -a- epentético), Franzomil (Franzemirus), Gesmil (Gesmiro) Gondomil (Gontemiru), Gradamil (Gedramiro, com metátese de -r-) Guilhamil (Viliamirus), Guntimil e Contomil (Guntemirus), Mil (Mirus), Ramil (Ra[ne]mirus), Randamil e Randomil (Randemirus), Recimil, Resumil, Rosomil, (Recimirus), Rejamil e Regomil (Ragemiru, com possível harmonização com o étimo ‘rego’), Santomil (Santemiro), Sesmil e Susmil (Sismirus), Sanxomil e Sanxumil (Sungemirus), Seixomil e Seixosmil (Saxomirus, onde a forma Seixosmil pode ser adaptação lógica sobre Seixomil), Trastemil (Trastemirus), Troitomil (Tructemiru) e Vadamil (Vademirus).

Outros casos são também evidentes se tivermos em conta os processos de lenição, isto é, perda das consonantes -d-, -g-, -l- e -n- habitual em galego: Amil, um dos resultados mais comuns en galego, procede com quase total segurança de Adamirus, documentado, ou, no seu defecto, de Anamirus, que não está documentado, mas que resulta deduzível de outros antropónimos com o mesmo protema: Anagildus, Anulfo, etc. Também daí procede Eimil, com a diptongação comum no galego-português, que dá o composto Vileimil, parelho com o também presente Vilamil e Vilaamil. E o mesmo acontece com Boimil (Bonimirus), onde desaparece o -n-; com Fermil (Fredemirus, onde desaparece o -d- e onde se dá, ademais, uma metátese de -r-); com Goimil (Godemiro) e Gomil (Godemiro, com simplificação Godemiri > *Goemiri > Gomiri); com Germil (Geldemirus, com lenição de -d- e rotacismo de -l-); com Loimil (Lodemiro), Queimil e Vilacemil (Kedemiro); Toimil e Tuimil (Theodemirus). No mesmo casos de lenição pode estar Maimil, para o que se encontra Magnimiri, com um -g- em posição muito fraca e com um -n- que cai para deixar *Maimiri. E, pelo mesmo Fontemeimil, poderia ser a Fontem Magnimiri.

Um caso exemplar destas lenições temo-lo em Gadamirus, que dá Gadamil por evolução direta, e que com lenição apresenta os dous resultados possíveis: Gaamil, apenas com lenição, e Gamil, com lenição e simplificação do duplo -aa-. Contudo, convém notar que, tanto Gaamil como Gamil poderiam provir de Galamiro, forma nominativa também documentada. Relacionado com Gamil há Sugamil, que poderia proceder, na realidade, não de um antropónimo *Sugadamirus, mas de um sintagma “sub Gamil”, referindo-se a um terreno por baixo de Gamil. Outro caso onde se pode ver claramente a evolução é o de Salamiru, que dá Saamil, sem simplificar, e Samil, simplificado — ambos com lenição de -l-, mas que dá também Sanmil com lenição do -a- *Sal’miri, passando o -l- em posição final de sílaba a nasalizar em -n-: Sanmil. Proponho, todavia, que Salamiru pôde ter-se transformado em Saramiru por pressão, precisamente, do -r- do segundo elemento, dando o atual Saramil e, também, Zaramil.

Algumas deduções

No caso dos antropotopónimos, a prova do nove é, também, comparativa e, do mesmo modo que fizemos com o par Baldriz/Baldrei, poderia fazer-se com o trio Argerei/Argeriz/Argemil, que implica a existência de antropónimos latinizados Argeredo, Argerico e Argemiro, com efeito, documentados na literatura da época. Procedendo assim podem explicar-se antropotopónimos para os quais não se encontra correspondência direta na documentação da época. Aquimirus não se encontra, mas sim Aquisildu, apontando para um protema *aqui- que deriva, por sua vez do germânico *akwesiz ‘eixo’, e que admite perfeitamente o deuterotema que estudamos para terminar derivando no nosso Aguamil. E o mesmo para outros casos como Angomil, com referente Engladius; Bendomil, com referente Vendericus; Brandomil, com referentes Brandericus, Brandila, Brandinus, Brandiulfus ou Brandon; Gardamil, com referente Gardulfus, que também pode gerar Graimil se considerarmos uma metátese de -r- que dê *Grademiru, com posterior queda do intervocálico -d-. Gemil e Guemil poderiam provir de um Genemiru similar a Genobreda ou Gemundus, com a única diferença da realização desse ge- inicial. E o mesmo para Guiximil, cuja evolução desde Visemiru (referente Visulfu, Visaldu, Visegildu) não deve resultar estranha. Finalmente, Vilavermil é, claramente, Vila Vermil, isto é vila de Veremiro, não documentado, mas deduzível de Veremundus, com cognato Vermundus, onde se observa a mesma queda de -e- que explica Veremiri > Vermil.

Algumas hipóteses

Ficam ainda vários casos sobre os que apenas posso dar hipóteses. Em primeiro lugar, quanto a Simil, penso que se trate de uma lenição silábica, isto é, de uma haplologia de Sisimiru > Simiru que explicaria, diretamente, Simil. Isamil, penso, poderia provir de Vidsamiru, forma que se encontra no patronímico Uidsamiriz, documentado. Sobre Trasmil há duas hipóteses: uma que corresponda com um trás (vila, terra) Miri, ou com o nominativo Transmiru documentado. Ambas as opções são possíveis e, aliás, podem conviver, o mesmo que em Carramil, que pode provir de Karmirus, com -a- epentético, ou do sintagma cas’ Ramiri, onde o -s final sofreria rotacismo perante r- inicial. Também encontro duas explicações possíveis para Coutomil: que seja um couto Miri ou que seja um cognato do atual Contomil, proveniente muito provavelmente de Guntemiru, como disse. Ambas as opções podem dar-se simultaneamente, tendo, ao tempo, em conta, a atração homofónica do étimo ‘couto’. Do mesmo modo, penso que Portamil se refira, na realidade, a um Bertomiru, cuja realização em /o/ *Bortamiru tivesse levado à mudança b > p por homofonia com ‘porta’. Contudo, não pode descartar-se a possibilidade de se referir a um porta Miri, tendo em conta o valor de ‘porta’ como lugar de passo, especialmente entre montanhas, visível ainda noutros casos de toponímia atual. Sem dúvida, as hipóteses de trás-Miri, cas’ Ramiri, couto Miri ou porta Miri fazem todo o sentido se tivermos presente Vilamil e Vilaamil, e também Castrorramil, que não é outra cousa que castru Ramiri, isto é o Castro de Ramiro.

Finalmente, existem cinco topónimos para os quais sou incapaz de dar uma explicação minimamente convincente: são Cadarramil, Carsomil, Torromil, Lamateimil e Lantemil. Deles apenas posso fazer vagas elucubrações que não é o caso expor aqui. Deixo-o, como sempre, para quem souber mais e tiver a bem completar a informação.

Enfim, pode concluir-se o mesmo que em notas anteriores: que, considerando as ocorrências de antroponímicos germânicos na Gallaecia, não deverá ser difícil deduzir o resto de casos.

A ler mais:

  1. Topónimos germânicos (I): Terminações em -rei
  2. Topónimos germânicos (II): Terminações em -riz
  3. Topónimos germânicos (III): Terminações em -mil
  4. Topónimos germânicos (IV): Terminações em -ulfe, -ufe, -oufe
  5. Topónimos germânicos (V): Terminações em -sende e -sinde
  6. Topónimos germânicos (VI): Terminações em -ilde

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